A mulher como sujeito ativo do crime de estupro e as consequências nas esferas cível e penal.
1. Introdução.
Antes da vigência da Lei n. 12.015/2009, o crime de estupro era classificado como crime próprio visto a exigência de uma especificidade do sujeito ativo do crime, qual seja somente o homem poderia figurar no polo ativo, eis que o dispositivo legal mencionava o constrangimento perpetrado em face de uma “mulher” a praticar conjunção carnal. Insta consignar que mesmo antes da referida lei, a mulher poderia atuar na condição de participe ou coautora do crime de estupro, mas em regra, somente o homem poderia figurar como réu do crime visto constituir elementar normativa do tipo o fato de somente a mulher se enquadrar como sujeito passivo do delito.
Em 2009, com a as alterações operadas pela lei suso mencionada no introito deste artigo, tal delito passou a ter a classificação de um crime comum, passando o ordenamento jurídico a considerar, hodiernamente, que tanto o homem quanto a mulher podem ser sujeitos ativos e passivos do crime de estupro. Entretanto, é consabido que quando o resultado do estupro é a gravidez e a mulher é a vítima, o código traz expressa autorização para que a vida seja relativizada, permitindo o abortamento quando expressamente manifestado tal desejo pela gestante estuprada ou por seu representante legal quando esta for incapaz. A indagação que se faz sob a ótica desta nova lei é: a causa de aumento autorizada quando houver estupro e este resultar em gravidez, recairá também sobre a gestante autora do delito? Quando o homem for o sujeito passivo do crime de estupro e sua agressora engravidar terá o ofendido o direito de exigir a interrupção da gestação? O aborto realizado em tais circunstâncias será considerado criminoso ou se entenderá lícito, nos termos do art. 128, II, do Código Penal? A paternidade indesejada gerará consequências na órbita do Direito Civil?
No presente trabalho, serão examinadas essas questões sob o ângulo de diversos ramos do Direito, a fim de se chegar a uma solução plausível a respeito de um caso em que a novatio legis silenciou, pretendendo-se abordar especificamente as circunstâncias relevantes ligadas à gravidez da mulher resultante da conduta criminosa de estupro por ela mesma praticada contra um homem, no caso, a vítima do crime.
2. A gravidez decorrente do estupro: o agravamento do crime e a possiblidade do aborto humanitário, sentimental ou ético.
2.1 – A gravidez como aumento de pena no caso de estupro tendo a mulher como sujeito ativo
Com a possibilidade de a mulher ser sujeito ativo do crime de estupro, não será somente na condição de vítima que poderá engravidar em virtude do coito perpetrado mediante constrangimento. Agora, também, a própria criminosa que constrange o homem à conjunção carnal ou outro ato libidinoso idôneo pode vir a engravidar em razão de sua própria conduta ilícita.
Prevê o art. 234-A, inciso III, do Código Penal, o aumento da pena de metade “se do crime resultar gravidez”. Aplica-se o dispositivo na hipótese de a gravidez resultar da prática da conjunção carnal ou de outro ato libidinoso apto a gerar o resultado. Indene de dúvidas a incidência da causa de aumento quando a grávida é a vítima do crime, pois que esta arca com ainda mais um ônus resultante da prática criminosa provocada pelo agressor: o dilema de optar entre levar adiante a gravidez ou realizar um aborto legal, nos termos do artigo 128, II, CP. Tal carga física e emocional imposta à vítima como resultado do crime obviamente justifica a exacerbação da reprimenda face ao considerável incremento do "desvalor do resultado".
No entanto, questionamentos podem advir de casos em que a autora do crime de estupro é mulher e esta vem a engravidar como resultado do coito obtido mediante violência ou grave ameaça. Nessas circunstâncias, pode-se falar em causa de aumento de pena resultante da gravidez em face da agressora? Afinal, agora a grávida é a própria autora do ilícito.
Para a solução dessa situação deve o "desvalor do resultado" ser aferido não com relação às consequências advindas da prenhez para a mulher criminosa, mas sim com referência ao homem vitimado pela conduta. Apesar do ilustríssimo doutrinador Mirabette disciplinar que “aplica-se o dispositivo na hipótese de a gravidez da vítima resultar da prática da conjunção carnal ou de outro ato libidinoso apto a gerar o resultado” (Mirabette, 2012, p. 1611), ousa-se, neste trabalho, discordar.
No caso em análise, entende-se restar incólume a motivação da exasperação penal em virtude do incremento do "desvalor do resultado". Tal fato ocorre porque o homem vitimado também sofrerá sérios prejuízos com o advento de uma gravidez indesejada originada de um coito violento. A situação, indubitavelmente, irá incidir sobre o homem no que tange ao aspecto financeiro – patrimonial (problemas de sucessão hereditária, pensão alimentícia, gastos com a criação de um filho, alimentos gravídicos) e também afetivo – emocional (dilema da convivência com a criança e de relação com a mãe criminosa; conflitos que podem existir com sua família, relativos à sua esposa e outros filhos originários de relações legais). Efetivamente, a gravidez resultante do estupro praticado pela mulher contra o homem pode ensejar várias consequências devastadoras na vida pessoal da vítima, e, em certos casos, constituir um dos fins da prática delituosa.
Imagine que uma mulher acaricie e seduza um menor de treze anos para com ele praticar conjunção carnal, visando exatamente a gravidez para locupletar-se com a maternidade de um herdeiro abastado e dos recursos provenientes de uma robusta pensão alimentícia, considerando o extenso patrimônio da família do menor. E se assim não for, mesmo que a gravidez se constitua em algo não desejado para a autora do estupro (seja do vulnerável acima mencionado no exemplo ilustrativo ou de qualquer outra situação não mencionada neste trabalho, mas passível de ocorrência), isso não exclui sua responsabilidade pela conduta e seus resultados na medida em que atingem mais intensamente a vítima, que deverá arcar com os deveres advindos da paternidade.
Aliás, não se deve olvidar que a conduta ilícita da mulher também virá a atingir os interesses da futura criança, a qual certamente sofrerá danos psicológicos e afetivos ao saber que foi originada de um ato criminoso e não de um relacionamento normal. Todos esses fatores não podem deixar de ser considerados no incremento do "desvalor do resultado", apto a indicar a justiça de uma exasperação punitiva dirigida à mulher infratora, fato que torna inolvidável a inserção da causa de aumento quando a prenhez resultar de estupro perpetrado pela própria mulher.
2.2 - O aborto sentimental e o estupro efetivado pela mulher
O aborto humanitário, ético ou piedoso é denominação atribuída ao aborto licitamente provocado por médico em mulher que tenha sido vítima de estupro, após o consentimento expresso da gestante, ou, quando incapaz esta, de seu representante legal, identificando-se, no caso, uma excludente de ilicitude, pois o Código Penal refere-se expressamente sobre não ser punido o aborto, conforme previsão do art. 128, segunda parte. Não diz o diploma legal que não recai a punição sobre o médico, hipótese em que se estaria diante de uma causa excludente de culpabilidade, ante o caráter pessoal do instituto.
Disciplinando a respeito da legitimidade do aborto sentimental, Guilherme de Souza Nucci dispõe que nenhum direito é absoluto, nem mesmo o direito à vida, e por tal razão é perfeitamente admissível o abortamento em circunstâncias excepcionais para preservação da vida digna da gestante (Nucci, 2013,. p. 128).
O aborto humanitário é uma figura criada para a proteção da integridade psicofísica da mulher violentada, valor esse corolário da dignidade humana, considerando que a mulher não deve ficar obrigada a cuidar de uma criança advinda de coito violento, indesejado, além de se tornar refém dos riscos de problemas de saúde mental, hereditários, que podem se manifestar na criança, fruto de uma relação muitas vezes doentia, violenta e criminosa (Mirabete e Fabbrini, 2012., p. 805). Na mesma esteira de raciocínios, pode-se afirmar que em nome da dignidade da pessoa humana, no caso a da mulher que foi violentada, o direito permite que pereça a vida do feto ou embrião. São os dois valores fundamentais, mas é mais indicado preservar aquele já existente (NUCCI, 2012., p. 658).
A verdadeira justificativa para legitimar o abortamento quando a mulher engravida por conta do ato criminoso, funda-se no fato de que todo ser humano deve ser respeitado em sua existência, por sua essência. É esta dignidade violada no momento em que uma pessoa é tratada como objeto, ocorrendo, desta feita, a coisificação do ser humano. Este procedimento ocorre quando um ser é utilizado por outro como um instrumento de satisfação da própria lascívia, para cumprir seus propósitos individuais. Há total supressão da vontade da mulher no coito e a mesma deverá suportar sozinha, os efeitos da gestação.
Nesta seara, especificando a respeito da autorização para haver o abortamento quando o homem é vítima do estupro e a própria agressora engravida, leciona Nucci que
uma mulher que violenta sexualmente um indivíduo do sexo masculino não tem, em momento algum, sua dignidade afrontada, não havendo, dessa forma, que se falar em sopesamento entre sua dignidade e a vida do feto (Nucci, 2012), argumentação fortemente abraçada neste trabalho, situação que leva a concluir que a mulher que comete estupro contra um homem e deste ato sobrevém gravidez, está totalmente impossibilitada de consentir validamente para o abortamento, incorrendo em situação ilícita caso assim o proceda. Desta feita, ao constranger o homem a realizar consigo conjunção carnal, a mulher concorre em culpa ou dolo para sua própria gravidez, não podendo, portanto, extinguir uma vida que por sua culpa ou dolo se originou, razão pela qual se torna ilógica a possibilidade de autorização de aborto humanitário em relação à mulher agressora que engravida por conta de seu ato hediondo.
Desta forma, inviável a hipótese de a mulher que pratica crime de estupro procurar se beneficiar da excludente presente no artigo 128, inciso II do Código Penal, vez que sua dignidade não foi, de forma alguma, violada, não havendo absolutamente nada que se contraponha à vida do feto.
No que tange a possibilidade de o homem vítima do estupro exigir que a mulher agressora submeta-se a um procedimento abortivo como solução viável ao problema em análise, impende-se destacar a completa impossibilidade de aborto por parte da estupradora, pois, além de não estar abarcada tal situação pela autorização do art. 234, II do Código Penal, uma vez que no caso a mulher não é vítima e sim autora do delito, não é constitucional, ou tampouco razoável e justo impelir um aborto à força, pois existe a prioridade de respeito ao direito de inviolabilidade da integridade corporal da gestante.
Um aborto não consentido lesaria inúmeros princípios constitucionais, como o da intranscendência da pena, o da inexistência de pena de morte no ordenamento jurídico brasileiro – exceto em caso de guerra declarada – e o da liberdade de submissão a tratamento médico. Como autora, também não possui a liberdade de abortar permitida pelo CP, pois a previsão legal diz respeito à gestante no caráter de vítima.
3. A RELATIVIZAÇÃO DO DIREITO DE PATERNIDADE DO HOMEM VÍTIMA DE ESTUPRO NO CASO DE GRAVIDEZ DA MULHER ESTUPRADORA
Os direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988 figuram como principal prova da democratização do ordenamento jurídico brasileiro e da República Federativa do Brasil, revelando a busca por uma sociedade justa e igualitária. O maior signo da imperatividade dos direitos fundamentais é o célebre artigo 5º da CF, que traz em seu texto setenta e oito incisos, dispondo acerca das mais variadas esferas de direitos, e prevendo a base, em suas redações, para alguns dos maiores princípios norteadores do direito brasileiro. Os direitos fundamentais revelam-se como a maior conquista democrática que o país já teve e, como sugere o nome, são essenciais, fundamentais para o resguardo da justiça.
Partindo de tal premissa, viável concluir que em nome da justiça, inexiste direito absoluto, nem mesmo a vida é um direito revestido de incondicionalidade. A legislação, uma vez que é feita pelo ser humano, não está investida de perfeição e, assim, não poderia prever todas as situações passíveis de ocorrência, devendo o direito permitira relativização de alguns direitos em detrimento de outros, pois existem circunstâncias que tornam desproporcionais e desarrazoadas as aplicações de certas garantias legais, quando se tratar de um caso peculiar, analisado concretamente. Desse modo, obedecendo a uma análise principiológica, bem como dos conceitos substanciais que guiam o atual ordenamento jurídico pátrio, bem como sabendo-se que sempre há a possibilidade de não ser um dispositivo legal a melhor solução para uma situação real previamente positivada, é sensato o afastamento da imposição conjecturada por lei.
Tendo todo o explanado em vista, passa-se à dissecação da tese apontada por este trabalho, qual seja, a possibilidade de relativização do direito de paternidade no caso de um homem estuprado por uma mulher, resultando o ato ilícito na gravidez desta última, sob o prisma dos mais fundamentais princípios norteadores do Direito.
Inicialmente, faz-se necessário repisar a inexistência de prognose da presente tese por dispositivo legal, restando como respaldo os princípios basilares do Direito Brasileiro para fins de fundamentação e argumentação. Não é inconveniente elucidar que não existe uma só solução jurídica para o deslinde da hipótese considerada, pois o Direito admite e pressupõe a diversidade de conclusões por parte de quem quer que tenha contato com este, sendo tal artigo a inferência particular alcançada por meio da ponderação dos princípios e consequências analisadas, eleita a solução exposta, a mais branda dentre as cogitadas.
A haste fundamental que dá suporte à tese ora sustentada denomina-se dignidade da pessoa humana, que diz respeito à supremacia da proteção ao ser humano. O conceito de dignidade da pessoa humana é muito amplo, atinge todas as esferas de amparo aos direitos humanos. Não há um só texto que consiga unir todas as vertentes de tal princípio, sendo, quiçá, inapropriado conceituá-lo em poucas palavras e assim restringir seu significado, pois este abrange as mais variadas formas de garantia do que se possa entender como dignidade. A palavra dignidade pressupõe respeito, integridade, honra, decoro, decência e, desta forma, todas as garantias asseguradas pelo ordenamento jurídico brasileiro possuem como orientador tal princípio essencial, valorado como fundamento da República. Entretanto, na contramão do que o nome sugere, o princípio não se limita ao resguardo dos direitos individuais, pois transcende a proteção dos direitos pessoais.
A dignidade da pessoa humana supera a condição de princípio e figura como valor do indivíduo, como núcleo exegético do ordenamento jurídico, devendo ser observado como orientador de todos os feitos relacionados à pessoa humana. Fala-se também em caráter absoluto da dignidade da pessoa humana, pois não haveria circunstância ou direito que pudesse tirar a sua prioridade, especialmente pelo fato de tal principio ser um fundamento da República Federativa do Brasil, apontado no primeiro artigo da Constituição Federal. Desse modo, o fundamento aludido será sempre o guia basilar do Direito, sendo imprescindível na argumentação para relativização de certo direito em detrimento de outro, como é o caso em exame.
Secundariamente, existem princípios constitucionais, aliados à dignidade da pessoa humana, que possibilitam uma análise e ponderação de dois direitos ou mais, trazendo ao caso real a solução mais plausível e justa. Um deles, talvez o mais célebre da Constituição Federal, é o princípio da Igualdade que, não obstante ter um significado simples como vocábulo representa um conceito extremamente complexo no que diz respeito ao Direito. O que significa igualdade? Exata correspondência no tratamento dos seres humanos? Idêntica previsão legal para os indivíduos, independentemente das circunstâncias? Não! Paradoxalmente, para que haja tratamento justo e igualitário, é imprescindível que haja também a aplicação de condições diferenciadas, uma vez que cada caso concreto possui suas particularidades, bem como os indivíduos. Assim, apesar de expressar a ideia de idêntica imposição legal, o princípio vai além e denota a máxima de tratar desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade.
A Igualdade então não se limita a estabelecer obrigações idênticas aos indivíduos, não se denotando com ela uma equivalência exata de condições ou de cenário, mas sim um tratamento desigual que, por consequência, cause cenário com considerável proporcionalidade e razoabilidade. Tal princípio, portanto, é alcançado com a devida manobra de alguns dispositivos impostos ao indivíduo, para que, com esta diferenciação, tenha-se uma aproximação das condições finais, resultando na solução jurídica mais razoável e proporcional ao problema examinado. Todo o ordenamento jurídico brasileiro possui disposições aptas a equilibrar as diferenças e desigualdades inerentes à existência humana. Superada essa abordagem acerca do tratamento diferenciado diante de eventuais situações, passa-se ao exame de um princípio integrante da igualdade, qual seja a isonomia, mais precisamente a isonomia no tratamento legal entre homens e mulheres.
Infere-se acerca da isonomia uma necessidade de equiparar os direitos humanos dos mais variados níveis de status financeiro e social de um modo geral, depois de tantas concepções histórico-culturais discriminadoras que afrontavam, principalmente, a dignidade humana. Com o advento da Constituição Federal pautada principalmente na democracia e na dignidade social, a igualdade se tornou um dos objetivos das lutas de caráter social, como, por exemplo, as batalhas femininas contra uma sociedade patriarcal que subestima sua liberdade, batalhas estas que visam um equilíbrio no tratamento de homens e mulheres, seja para o respeito da mulher como sujeito de todos os direitos garantidos aos homens, bem como para sua valorização profissional por meio das lutas para melhores condições salariais. A isonomia, então, busca também extirpar do coletivo o desrespeito aos grupos desvalorizados ao longo da história nacional. Com a evolução da consciência coletiva em relação ao patamar de equivalência do ser humano, independentemente do que tange a gênero, etnia, credo, orientação sexual ou status econômico, há atualmente, uma maior proximidade ao respeito à dignidade da pessoa humana.
Desta feita, em relação ao princípio da igualdade e da isonomia, existem também dois ramos relacionados ao tratamento dos direitos da pessoa humana de forma equivalente, quais sejam a proporcionalidade e a razoabilidade. Estas duas especificações do direito relativo à igualdade trazem, ainda, uma fonte principiológica para solucionar o conflito de direitos, devendo o legislador observar se a solução jurídica examinada está baseada na razoabilidade e proporcionalidade.
Conclui-se, então, que a proporcionalidade no Direito é a aferição das consequências de certo cenário jurídico, como se deve fazer na relativização de direitos, optando então o legislador – ou o julgador – pela alternativa mais benéfica possível, até mesmo em casos onde sejam duas garantias equivalentes colocadas em conflito.
Ainda nessa esteira de raciocínio, observa-se o princípio da razoabilidade, estritamente ligado ao princípio da proporcionalidade, que é relacionado, objetivamente, à sensatez. O bom senso é o norte de tal princípio, que numa interpretação dos princípios e fundamentos do ordenamento jurídico pátrio revelará quão razoável é a solução jurídica apontada, escolhendo então a mais sensata saída possível pra hipótese em exame, não obstante a análise também de todos os outros princípios previstos em direito. A lógica da solução será exposta e, se positiva e coerente for, o princípio da razoabilidade estará observado, respaldando a aplicação da conclusão.
Assim, observados, portanto, primeiramente o delito de estupro e a substancial mudança efetuada pela Lei 12.015/09, a nova posição do homem como possível vítima de estupro, a real possibilidade de gravidez da autora do estupro e, por fim, todos os princípios norteadores do Direito pátrio que permitem a relativização de direitos fundamentais em colisão, passa-se ao estudo da alternativa de afastamento da obrigatoriedade de arcar, o homem vítima do crime, com as obrigações civis relativas à paternidade, com a eventualidade de gestação por parte da autora do estupro.
Inicialmente, em relação ao estudo da afronta aos princípios constitucionais no caso em exame, queda-se inegável que tornar obrigatório o reconhecimento da paternidade, uma vez que existe o vínculo biológico da procriação, porém inexiste a intenção procriacional, é atentar contra o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana. Ao passo que o aborto, quanto aos papéis inversos, é permitido pela legislação pátria a fim de resguardar a dignidade da mulher vítima de estupro, resta-se inexorável que submeter o ofendido às consequências da gravidez denota desrespeito à dignidade do homem. Não seria suficiente a humilhação pela qual passa o indivíduo apenas pelo ato libidinoso não consentido? Não só no que tange ao estupro em si – que isoladamente causa tamanha angústia e ressentimento – mas no que tange também à reação social. O coletivo demonstra resistência para aceitar o homem como titular da dignidade sexual, por todo um discurso patriarcal exaustivamente dissecado nas seções passadas. A ideia geral é que para o homem o sexo é uma obrigação, uma prova de sua virilidade, e não consentir à prática sexual seria uma evidência de fraqueza, de vulnerabilidade.
Entretanto, a dignidade da pessoa humana abrange a liberdade, bem como a honra subjetiva e escolha da vida sexual que o indivíduo deseja, não sendo correto presumir que o estupro seja um simples dissabor contra o homem, pois não passaria pela mesma angústia psicológica que a mulher. Impelir uma obrigação civil “eterna” para o estuprado, enquanto obrigação equivalente não é imposta à mulher, implica em flagrante desrespeito ao princípio da igualdade.
Ofende claramente o princípio da igualdade a imposição da paternidade do indivíduo gerado pelo estupro, pois, na mão inversa, a estuprada tem a faculdade de manter a gestação ou interrompê-la. O direito à vida do nascituro é relativizado com fundamentação que prioriza a dignidade da pessoa humana. A dignidade da mulher estuprada que engravida é então prezada em detrimento do direito à vida do feto, uma vez que não seria coerente exigir conduta diversa. A Constituição Federal em seu art. 5º, I, regula que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, sendo sensato, portanto, que o homem também seja valorizado na hipótese apresentada.
Compelir o ofendido à submissão de todos os efeitos da paternidade é subestimar a ofensividade do delito e da gestação, onde terá o homem vitimado que se responsabilizar pelos direitos financeiros e afetivos da criança quanto à filiação, bem como os relativos ao registro civil desta e os direitos sucessórios.
Sabe-se, também, que a paternidade é fenômeno ímpar na vida do indivíduo, onde o pai deve conviver com a criança e, consequentemente, com o responsável por esta que, na maioria das vezes, coincide com a mãe do menor e no caso específico em análise, com a autora do crime. Ignorar a invasão à honra do ser humano ao conduzi-lo por uma relação não sadia com o gerado é desvalorizar a imagem do homem como sujeito de direitos como a mulher. As disposições legais preveem transformações na esfera civil da vida do sujeito passivo que o seguirão ao tempo de uma vida, as obrigações financeiras e afetivas deverão ser cumpridas, sendo o nascituro sujeito de direitos desde a concepção. Não há sensatez na fixação absoluta da paternidade, vez que não houve consentimento no ato, ou no caso de estupro de vulnerável, prescindível é a ocorrência de consentimento ou não.
4. CONCLUSÃO
A vontade procriacional diz respeito à intenção de gerar um filho por meio da relação sexual, quando um casal decide por aumentar a família e criar uma nova vida. Quando, por exemplo, uma mulher engravida sem planejamento, apesar de não ser a intenção inicial, é sabido que tal ato é capaz de ocasionar a gestação. Não é o caso em análise. A vontade procriacional inequívoca encontra-se ausente nesse fato específico, pois a vítima não desejou a gestação nem tampouco assumiu o seu risco ao proceder à prática sexual mediante violência ou grave ameaça. O homem, além de vítima da invasão sexual que ofende o bem jurídico da dignidade sexual, tutelado pelo Código Penal, terá que arcar com as consequências civis do ilícito, que não previu ou assentiu, resultando essas circunstâncias em relevante desrespeito às garantias constitucionais da dignidade humana e razoabilidade.
Em relação à razoabilidade, considerada como o bom senso, queda-se abastada de sensatez a hipótese de relativização do direito à paternidade, tornando-a como uma faculdade ao estuprado, para reconhecê-la ou não. Apenas desta forma, retirando do direito o caráter absoluto, far-se-ia justiça acerca da razoabilidade. Comparando as consequências de uma gravidez da mulher estuprada, queda-se inequívoca e lógica a solução exposta, pois no caso inverso a dignidade da ofendida é privilegiada. O deslinde apontado resta ainda menos gravoso ao nascituro, pois não será a sua vida o bem jurídico relativizado em detrimento da dignidade da pessoa humana da mãe vítima, mas sim o bem jurídico do direito à filiação, que limitado, não trará prejuízo equivalente à ofensa à dignidade do homem ofendido.
Não são menosprezados aqui os interesses da criança, entretanto uma relação afetiva de paternidade, extremamente forçada, não traz benefícios a nenhum dos envolvidos, pois o vínculo entre pai e filho diz respeito, principalmente, ao amor. O Direito também não busca os chamados “santos e heróis”, ou seja, aqueles seres humanos que agem de modo supremo, com magnânima bondade e superioridade, pois o parâmetro a ser considerado é o do “homem médio” que, provavelmente, não desenvolverá com dedicação e generosidade uma paternidade da qual não participou propositadamente.
Para isso, a tese apontada não é de desligamento forçado da previsão da paternidade, mas sim a sua faculdade, podendo o ofendido, se desejar, proceder ao reconhecimento do menor como filho e sujeito dos direitos relativos à filiação. Apenas desta forma, retirando do direito à paternidade o caráter absoluto, fornecido hodiernamente pelo direito pátrio, far-se-ia justiça acerca da razoabilidade.
Assim também compreendem Damásio de Jesus e Gianpaolo Poggio Smanio e mais alguns pesquisadores em artigo relativo ao assunto:
Muito embora, em nosso sistema jurídico, a vida seja protegida desde o momento da concepção, excepciona-se a proibição de matar em prol de uma limitação humana em lidar com um fato indelével e que ocasiona, na maioria das vezes, transtornos psicológicos difíceis de superar. Partindo dessa premissa, se a vítima do estupro é o homem, pode não ser de sua vontade que a mulher criminosa dê à luz um filho seu. Apesar de não ser ele a pessoa a suportar os reflexos físicos da gravidez, a paternidade implica uma série de obrigações de ordem jurídica, ética, moral e até mesmo financeira, para não falar de outras. Nessa ótica, poder-se-ia cogitar de uma mulher que dolosamente realiza a conduta criminosa, intencionando engravidar para obter um vínculo com o homem e, ainda, uma pensão futura para o filho comum ou até mesmo para chantagear alguém de ótimas condições financeiras[1].
Pelo todo exposto, resta possível concluir de forma sensata que a relativização do direito à paternidade, caso haja gravidez da mulher estupradora, principalmente pela ausência de participação consentida do homem genitor é totalmente coerente com os princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade, proporcionalidade e razoabilidade, configurando, assim, indubitável respeito à Constituição Federal.
REFERÊNCIAS
· Manual de Direito Penal - Vol. III - 28ª Ed. 2012 - Julio Fabbrini Mirabete, Renato N. Fabbrini
· Nucci, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, 13. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo. Editora: RT, 2013.
· Manual de direito penal: parte geral : parte especial / Guilherme de Souza Nucci. -- Imprenta: São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012.
· Sitio Eletrônico: O aborto sentimento e a interrupção da gravidez da autoria do crime de estupro. Disponível em http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI128200,91041 O+aborto+sentimental+e+a+interrupcao+da+gravidez+da+autora+do+crime. Acesso em 18 de janeiro de 2014.
Nota:
[1] O aborto sentimento e a interrupção da gravidez da autoria do crime de estupro. Disponível em http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI128200,91041 O+aborto+sentimental+e+a+interrupcao+da+gravidez+da+autora+do+crime. Acesso em 18 de janeiro de 2014.
24 set 2014, 05:30
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